sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Uma Carta Sobre a Verdade


Quando eu tinha 18 anos de idade e estava cursando o 2º semestre de jornalismo, houve uma mudança de professores na disciplina de Teoria da Comunicação, pois o anterior havia se aposentado, e foi então quando o novo professor começou a lecionar o inferno começou.
Ele tinha aparência jovial, e aparentava ter por volta de 30 anos de idade, seus cabelos eram ruivos e rebeldes, seu corpo era esguio e a pele pálida. Sempre sorria, e costumava ser simpático com as pessoas, no entanto ele não era tão afável quanto transparecia. Descobri isso logo cedo, nas primeiras aulas dele em que assisti. Não precisou muito para que eu pudesse perceber a sua verdadeira face, a personalidade que ele tentava esconder por debaixo da sua máscara.
            Oslaf era o típico hipócrita e falso moralista, além de narcisista e autoritário. Ele costumava fazer piadas machistas, falar coisas aleatórias que nada tinham a ver com o assunto trabalhado, com intuito de constranger e humilhar as acadêmicas em sala de aula, mas o ápice do absurdo, foi quando ele assediou uma de suas alunas e embora levemos o caso aos superiores dele, no final não fez diferença, porque a universidade apenas abafou o caso. 
            Toda as suas aulas eram uma tortura psicológica. Ele perseguia os alunos discordassem dele ou não o adulassem e eu era um de seus alvos. Mas sobrevivi aos 4 anos do curso. Fiquei grata por não precisar mais vê-lo, porém o meu contento durou apenas um ano, pois na mesma época em que consegui um emprego como redatora de um jornal local da minha cidade natal, Oslaf começou a trabalhar como editor na mesma empresa jornalística que eu.
            Se eu não precisasse daquele trabalho, teria me demitido assim que ele começou a trabalhar lá. Mas como não tinha estabilidade financeira naquela época, permaneci no emprego.
            No início era suportável, porque ele não me procurava muito, porém quanto mais o tempo passava, mais irritante ele se tornava. Criticava todos os meus textos, mesmo que não houvessem erros. Menosprezava meu trabalho, me ofendia e depois tentou me persuadir a copular com ele, dizendo que se eu aceitasse, deixaria de me importunar e como obviamente recusei todas as vezes, ele começou a me ameaçar. Primeiramente dizia coisas como  “ seria melhor concordar ou faria da minha vida um inferno”, “que ele era amicíssimo do dono do jornal e faria com que me demitissem”, mas depois a situação piorou, pois  ele tentou me beijar a força várias vezes e inacreditavelmente teve o desplante de usar minha irmã, a única família que tenho, para me chantagear. Esse foi o meu limite. Nunca deixaria que fizesse mal a pessoa que mais me importo no mundo. Então, me demiti e como havia economizado algum dinheiro, além do que recebi com a publicação recente dos meus livros, abri uma editora.
            Por meses pensei que estava finalmente livre daquela situação angustiante, mas ele descobriu onde eu morava e começou a vir me ameaçar novamente e mesmo com ordem de restrição ele continuava vindo, muitas vezes bêbado. Eu havia cansado daquela perseguição e acabei indo longe demais, admito.
            Contratei duas pessoas para sequestra-lo e trazer até a sala secreta da minha casa, que era a prova de som, e que eu costumava usar para me isolar quando precisava de inspiração. E enquanto ele ainda estava desacordado joguei gasolina por todo o seu corpo, depois me certifiquei que ele estivesse bem preso as correntes. Esperei até que acordasse e então lhe dei a última chance de se redimir, de desistir de me perseguir, mas ele recusou e dizia aos berros que “preferia morrer a se rebaixar para uma mulher”, “ que eu deveria aceitar meu lugar de submissão ao homem”, e fiquei imaginando se aquele sujeito realmente era do mesmo século que eu, pois tinha tantas ideias arcaicas e absurdas.
            Sinceramente cada palavra que saía da boca dele me provocava asco, ele por inteiro me enojava, e estava cansada de ouvi-lo falar. Portanto acendi um fósforo e o joguei em sua direção. Na mesma hora ele começou a gritar, me chamar de louca e depois começou a implorar por ajuda. E a única resposta que ele obteve de mim, foi: “se divirta no inferno, querido”. Depois disso permaneci em silêncio, apreciando o momento, enquanto ele agonizava de dor. Quando o corpo dele se desintegrou, resolvi escrever essa carta e deixar junto de seus ossos aqui nessa sala, onde o queimei, para que saibam como ele morreu. Mas isso nem de longe é um pedido de desculpas, até porque o mundo é um lugar melhor sem ele.

***
            Quando Lídia terminou de ler a carta, que havia encontrado na sala secreta da casa que comprou em um leilão, que fora de sua escritora favorita, antes dela falecer de velhice, ficou em choque e entrou em pânico quando percebeu que havia alguns ossos no canto sala, junto de duas correntes.

- Sheila Tinfel

05/08/2019



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