domingo, 17 de fevereiro de 2019

Uma Vida Fúnebre


Nessa casa, escura, imensa e vazia, há um único habitante, que é... enfim, eu! Faz muito tempo que vivo aqui, sozinho, e raramente saio. Como você sabe, não tenho família e muito menos amigos. Não tenho certeza se sou alguém tão desprezível, ao ponto de ninguém me suportar ou se apenas não consigo me comunicar com as pessoas, e se for de isso, talvez eu nunca venha a aprender de fato como fazê-lo.
Sei que me entende, porque você foi umas das poucas pessoas que conseguiu se aproximar de mim e me amar... bom... eu lhe amei também, e para ser sincero, ainda lhe amo! Eu sei que isso não importa mais. Soube que você se casou e que agora é muito feliz, e isso é ótimo... Nós dois sabíamos que eu não poderia lhe proporcionar uma vida nem mesmo satisfatória ao meu lado, pois sou estranho, recluso, e muito confuso! Porém tenho que confessar que com você me sentia vivo, como se o mundo fosse pequeno; era como se nada fosse impossível para mim. No entanto, agora, me pareço com uma criança frágil, ou seja, a mesma criatura amedrontada de outrora, daqueles malditos tempos em que eu não lhe conhecia e que não conseguia entender as pessoas, e obviamente nem me comunicar com elas. Você que me ensinou a beleza da humanidade, os sentimentos, os sonhos. Entende? Nesse momento, em que escrevo essa carta para você, sou como um corpo inanimado, cheio de marcas, cicatrizes e feridas abertas. Estou morto, mas ainda posso sentir a dor de ter lhe perdido.
Me desculpe, não quero aborrecê-la, e eu sinceramente me sinto feliz por você, agora que trabalha com o que realmente ama fazer, que pode expressar toda a sua natureza artística e que encontrou alguém que se comporte como um humano, seja lá o que ser um humano signifique!
Minha querida, a amarei até os fins dos meus dias...
Ass: Um passado distante.
*****
Assim que terminou de escrever a carta, a enviou pelo correio, voltou para a casa, mas antes de entrar, observou a imensidão vazia e solitária. Foi ao seu quarto, deitou-se na cama, ouviu o silêncio e então tudo ficou escuro e o ar parecia escapar de seus pulmões, até que seu coração cansado e doente bateu uma última vez e então finalmente desistiu.
***
O jovem ao meu lado, parecia emocionada quando disse:
-Que texto lindo! O senhor irá publicar?
-Para que, já sou um homem morto!
-O quê?
-O homem do texto, sou eu.
-Não sabia que se sentia assim...
- A solidão é uma boa amiga, mas em demasia, ela sufoca até nos matar... O processo é lento e doloroso.
-O senhor está bem?
- Essa sempre me pareceu uma pergunta retórica! Eu vou para casa agora, estou cansado e morto!
- Vendo dessa maneira, muitos de nós estão mortos...
- Há muitos vivos, que estão mortos há tempos...

-Sheila Tinfel

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