sexta-feira, 5 de julho de 2019

O Ponto Final?

Já era tarde da noite, e as aulas na universidade já estavam no final. Eu estava exausta, mas sou muito hiperativa independentemente da situação e me entedio facilmente, por isso resolvi sair da sala para arejar minha mente agitada. Quando eu ainda estava no corredor, próximo a porta da sala, recebi uma ligação de um número desconhecido. Atendi e a voz na outra linha telefônica perguntou: “você é a Lívia?”, confirmei e depois disso houve um longo período de silêncio. Embora eu não compreendesse o que estava acontecendo, não conseguia dizer nada também, como se eu não quisesse descobrir o motivo da inesperada ligação. Pois de fato, se pudesse escolher, preferiria nunca saber.
    Mas então a pessoa que havia me ligado finalmente quebrou o silêncio:” sinto em lhe informar isso. Raphael... bem, ham...”, ao passo que eu respondi: “por favor, fale de uma vez o que houve.” E a resposta foi devastadora: “desculpe. Ele morreu.”
    Depois de ouvir aquilo fiquei atordoada e tinha a sensação de que tudo a minha volta estava girando. Minhas pernas perderam a força e pareceria que cederiam, fazendo com que eu acabasse caindo. Mas então a pessoa da chamada telefônica, me trouxe de volta a realidade, perguntando se eu estava bem e eu ri, porque essa parecia uma pergunta retórica e até um tanto sarcástica! Bem? Como eu poderia me sentir assim, quando meu único amigo, a pessoa que eu mais me importava foi embora para o vale sombrio da morte? Então eu desliguei e me encostei a parede do corredor, e enquanto as pessoas passavam apressadas para ir embora,eu apenas fiquei ali parada, sem reação e sem saber onde ir e o que fazer, porque não havia nada que fosse capaz de ao menos amenizar aquela dor. A morte é o ponto final e eu não poderia mudar isso.
    Naquela mesma noite, me ligaram outra vez, e explicaram que um motorista bêbado bateu de frente com o carro dele. E contaram onde seria o funeral. Depois daquela ligação, fiquei imaginando se eu teria coragem de vê-lo no caixão e então percebi que era impossível. Não é ele de verdade que estaria lá, é apenas um corpo frio e sem vida. O que fazia dele ser ele, era sua consciência, todo o resto é apenas o suporte físico para ela. Quem estaria lá, não era meu amigo idealista, revolucionário e que sempre me compreendeu, mesmo quando mais ninguém era capaz de entender como eu via o mundo. Eu não poderia dizer adeus, porque ele não escutaria, não saberia. Na verdade, nunca entendi o sentido dos velórios, pois, parecem tão torturantes e inúteis, mas sei que as pessoas não veem assim e que imaginarão que eu não me importo com ele e que por isso não compareci ao seu funeral. Porém é exatamente o oposto, é por me importar que não consigo estar lá e confrontar a realidade de que ele não vai voltar.
    Foram tantas as lágrimas de desespero que derramei naquela fatídica noite, e mesmo assim a dor não me deixava.
**
    Quando abri os olhos, tudo estava praticamente escuro, a não ser por uma ínfima luz que passava pelo vão da janela ainda fechada. Me sentia exausta e confusa, então observei em volta e percebi que eu estava no meu quarto, deitada na minha cama. Me sentei de pressa, busquei pelo meu celular, vi que eram sete horas da manhã e mandei uma mensagem para o Raphael. Alguns minutos depois ele me respondeu, e então a sensação de alívio foi tão grande, que nem sei se consigo descrever com palavras. Percebi que tudo não passou de um sonho.
    Contei a ele sobre o ocorrido e fizemos um pacto de permanecermos vivos até a velhice. Espero ser capaz de cumprir essa promessa, porém mais ainda, que ele possa cumprir.
- Sheila Tinfel
04/07/2019
   

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