Eu observava o sol se pôr,
sentado em um banco, na praça, que estava quase vazia. Nesse dia, uma moça, de
olhos negros, cabelos escuros e lábios carnudos, se sentou ao meu lado. Ela
disse:
- O senhor é um padre?!
E embora, a pergunta tenha
sido retórica, eu respondi:
-Ora, pois, sim.
Então ela se aproximou, sorriu
e fez uma observação um tanto não muito comum, levando em conta toda a minha
vida!
-É uma pena. Tem olhos muito
bonitos.
-A senhora está bem?
-Estaria melhor se o senhor
não fosse padre.
-Como é?
Ela aproximou seu rosto do meu
e indagou:
-Com todo o respeito, o senhor
está se fazendo de bobo, ou não é desse planeta?
-Ora de que planeta além desse
seria possível eu ter nascido?
-Não sei, diga você!
Como eu fiquei em silêncio,
ela resolveu dizer algo.
-Se o senhor é desse planeta,
suponho que esteja se fazendo de bobo. Mas eu o compreendo!
-A senhora é uma jovem
engraçada.
- E o senhor, um jovem
enganado!
- O que quer dizer com isso?
- Nada que o senhor concorde.
- Como?
- É obvio que eu e o senhor, acreditamos em teorias diferentes... conceitos, ideias divergentes.
- É obvio que eu e o senhor, acreditamos em teorias diferentes... conceitos, ideias divergentes.
- Quer dizer que não é católica?
- Quero dizer que o senhor
acredita na moral, na bondade humana, em um deus onisciente, onipotente, que
castiga quem sair da linha e em milagres... etc... etc...
- Ah! A senhora é ateia.
- Exatamente, entre outras
coisas!
- Como por exemplo?
- Mulher, inteligente, bonita,
criativa, sagaz, sarcástica! Bom... e pertenço a mesma espécie que a sua.
- Resumindo, humana.
- Sim, temos algo em comum!
- Que bom que não tem mais
dúvidas sobre de onde venho!
- Ah, vejo que o senhor também
gosta de sarcasmo!
- é... pode-se dizer que sim.
Depois desse dia, ela esteve
presente na minha mente quase que constantemente. Então, apesar de toda a minha
luta, para esquecê-la e exterminar esses sentimentos do meu coração, acabei a
encontrando outras vezes. No começo era apenas para vê-la, conversar com ela...,
mas, com o tempo, fomos ficando mais próximos, mesmo, tendo visões de mundo
completamente diferentes.
Me sentia muito bem com ela,
porém, a noite eu tinha pesadelos, porque me sentia culpado. Não queria ser
apenas amigo dela, porque eu a desejava, queria poder beijá-la, senti-la,
amá-la, como alguém comum. Teve muitas madrugadas de insônia, que pensava em
nunca mais vê-la, porém os meus sentimentos por ela, eram mais fortes. E Lívia
não se importava com toda a complexidade de que eu fazia parte. Para ela, era
simples, dois humanos que se amam. Confesso que gostava dessa ideia, mas não
conseguia deixar de me odiar por isso.
Passamos 9 meses assim, até o
dia em que a culpa me consumiu por inteiro. Enlouqueci completamente... por
isso fui até a casa dela e a encontrei sentada no sofá da sala. Ela sorriu e
disse que estava surpresa em ver, porque não tínhamos combinado nada e eu não a
respondi, apenas fiquei a observando.
- O que você tem? O que... Por
que não diz nada? Responde!
- Me sinto culpado... culpado!
- Ora, já disse que isso tudo
é tolice. Desista de ser padre, se não é o que quer.
- Eu não posso.
- Por quê?
- É meu dever, meu destino.
- Não existe destino. Acorda!
E quando ela se aproximou de
mim, eu a acertei com uma faca, na garganta e depois outra no peito, e outra...
e mais... muitas vezes. Quando parei e percebi o que eu havia feito, cai de joelhos,
próximo ao seu corpo ensanguentado. Entende? Entende, o que fiz? Deus, o senhor
deveria ter me impedido... ela não merecia isso. Eu a amava. Amava! Não sei
porque não a ouvi. Deveria ter desistido de ser padre e fazer outra coisa da
vida. Mas, não... arrogante, como sou, acreditei que era o meu dever, o meu
propósito.... pensei que era o que o senhor desejava. Mas não era, não poderia
ser. Porque eu a amava. Eu era humano, mortal, tinha sentimentos e desejos.
- Senhor... senhor, senhor! Me
escuta.
- O quê, como assim? Eu sempre
lhe ouvi. Sempre e olha o que aconteceu.
- Com quem pensa que está
falando?
- Deus!
- Deus? Qual dos deuses? Ora,
sou seu psiquiatra. Estou tentando lhe ajudar.
- Como? Do que está falando?
- O senhor está numa clínica psiquiátrica...
foi internado a 3 meses, não se lembra?
- Não. Não é possível.
-Tanto é, que é a realidade. E
o senhor, nunca esteve mais do que uma vez com essa jovem, de quem fala. Além
do dia em que a matou, é claro.
- Não... Explique-se.
- Ela estava em uma missa, que
o senhor ordenava e então a mãe dela pediu que o senhor conversasse com ela,
porque Lívia, não acreditava em deuses. Depois desse dia, o senhor começou a
perseguir, a observá-la de longe, até o último, em que a matou.
- Foi tudo um delírio? Ela
nunca me amou?
- Não.
- Eu a matei... como pude?
- O senhor está doente e
preciso que se acalme para poder ajuda-lo.
- E Lívia... eu amava Lívia.
Ela me amava.
- Mais uma vez, o senhor está
delirando. Entende? Vou lhe aplicar um sedativo, se acalme.
-Lívia... Lívia, eu te amo.
Amo voc....
-Sheila Tinfel
20/01/2019