O
Ateneu, escrito por Raul Pompeia em 1888, é uma obra fascinante,
que traz à tona a hipocrisia da sociedade brasileira. O romance é narrado em
primeira pessoa, e de uma maneira completamente realista.
Sérgio, o protagonista e
narrador, descreve e relembra seu passado, quando estudava no internato Ateneu.
Local em que ele e os outros alunos viviam sob constante terror, já que o
diretor Aristarco era um ditador, que acima de tudo exaltava a moralidade e impunha
isso sobre todos no colégio, embora o mesmo seja hipócrita, já que Aristarco,
como tantos outros ignorantes presentes na sociedade, consideram a
homossexualidade uma imoralidade, algo a ser repudiado, no entanto
em todo o romance, apenas um caso amoroso chega ao
conhecimento de Aristarco. O diretor ameaça punir os envolvidos, mas, em
descrição evidentemente irônica do narrador, acaba absolvendo os "réus da
moralidade" para salvaguardar as finanças da instituição (Miskolci;
Balieiro, 2011)
portanto fica claro que o que importa de fato é o dinheiro
e não a falaciosa moralidade. Além desse acontecimento, há outros
interessantes, em que podemos considerar como algo que nos provoca a pensar,
refletir. Por exemplo, as amizades frustradas de Sérgio, que embora foram poucas,
marcaram a sua vida. Primeiramente Sanches, que ele considerava um protetor e o
ajuda em suas lições escolares, porém depois que Sérgio percebe um envolvimento
mais intimo por parte de Sanches, os dois acabam brigando, e assim terminam a
amizade. Depois, Sérgio acaba se aproximando de Franco, aluno que sempre era
castigado e não obedecia às normas, mas essa aproximação não dura muito tempo.
Em seguida, ele estabelece nova relação de amizade, agora com Bento Alves, e se
tornam muito íntimos e inseparáveis. O
então amigo de Sérgio, tinha por ele, um forte zelo, como se pode observar nas
seguintes passagens:
na biblioteca, Bento Alves
escolhia – me as obras: imaginava as que me podiam interessar; e propunha a
compra, ou as comprava e oferecia ao Grêmio, para dispensar-se de mas dar
diretamente. No recreio, não andávamos juntos; mas eu via de longe o amigo
atento, seguindo – me o seu olhar como um cão-de-guarda (POMPEIA, p. 56, 2012);
“Soube depois que ameaçava torcer o pescoço a quem pensasse
apenas em me ofender...” (POMPEIA, p.56, 2012); “no movimento geral da
existência do internato, desvelava-se caprichosamente; sabia ser de modo
inexprimível, fraternal, paternal, quase digo amante, tanta era a minudência
dos seus cuidados” (POMPEIA, p. 56, 2012). E depois das férias, Bento Alves
agia um tanto diferente com Sérgio, e esse momento é ilustrado pelo
protagonista, no seguinte trecho:
por ocasião da abertura das
aulas, notei – lhe um calor novo de amizade, sem efusões como dantes, mas
evidentemente testemunhado por tremores de mão ao apertar a minha, embaraços na
voz de amoroso errado, bisonho desviar dos olhos, denunciando a relutância de
movimentos secretos e impetuosos. Às vezes mesmo, um reflexo assustador de
loucura acentuava-se -lhe nos traços (POMPEIA, p. 84, 2012)
Embora as
coisas estavam calmas e serenas entre os dois, Bento Alves atirou-se contra
Sérgio, e acabaram lutando. Dias depois, soube-se que Alves saiu do colégio, e
dessa forma, mais uma amizade acaba. Posteriormente Sérgio torna-se amigo de Egbert,
e desse, fora amigo verdadeiramente. E pelo novo amigo, o protagonista nutria
fortes sentimentos, e é nesse momento que a descrição dos seus sentimentos e
desejos é clara e quase que não se esconde nas entrelinhas: “Vizinhos ao
dormitório, eu, deitado, esperava que ele dormisse para vê-lo dormir e acordava
mais cedo para vê-lo acordar” (POMPEIA, p. 88, 2012); “Eu por mim,
positivamente, adorava-o e o julgava perfeito” (POMPEIA, p.88, 2012); “era
elegante, destro, trabalhador, generoso. Eu admirava-o, desde o coração até a
cor da pele e à correção das formas (POMPEIA, p.88, 2012); “nós dois, sós!
Sentávamo-nos à relva. Eu descansando a cabeça aos joelhos dele, ou ele aos
meus” (POMPEIA, p. 90, 2012). Apesar disso, depois que Alves e Sérgio foram
jantar na casa de Aristarco, como prêmio por tirarem boas notas, a amizade
entre os dois se dissipou, pois, Sérgio recebeu muitas carícias de D. Ema,
esposa de Aristarco, o que reafirmou o amor platônico que ele sentia, e por
isso decide se afastar de Alves. De todos esses momentos narrados pelo
protagonista, podemos concluir que Sanches e Bento Alves, são comparados e considerados
parentes, por Sérgio e Egbert, como amigo verdadeiro, mas a questão é que esses
termos, nomes, designações, podem ser nesse caso utilizado como um véu, ou
neblina, que encobre a realidade. Talvez o narrador, quisesse dizer o que
sentia, desejava e por quem, verdadeiramente, como um grito de liberdade, porém
discretamente, porque não entendia, e considerava vergonhoso ou errado o que
sentia, pois aprenderá isso, desde de criança. E isso nos faz pensar em quantas
pessoas, se sentem da mesma maneira que Sérgio. Todas presas em suas próprias
mentes, angustiadas, e fingindo ser o que não são, algumas vezes até para si
próprias. Que escondem seu verdadeiro eu dos outros, por receio que os olhem
com nojo, asco, ou que as pessoas que amam as despreze, e as repudie. Ou ainda
por saberem que podem ser espancadas e mortas, apenas por amar. Essas pessoas que
acabam sendo escravas da moral, enquanto os ditos moralistas, na maioria das
vezes são exímios hipócritas, que não fazem o que dizem, que não põem em
prática o que acreditam. Além de que o conceito de moral não deveria ter tanto
valor, pois foram os próprios humanos que criaram, e como a humanidade, a moralidade
é mutável e se adapta as circunstâncias, ou seja, a ideia de certo e errado,
normal e anormal, bom e mau. Tudo isso
não lhe parece patético? Sofrer por ser o que se é? Quando você não teve
escolha sobre isso. Não podemos escolher a quem amar, da mesma forma que não
podemos optar por nascer ou não. E embora, outros possam decidir sobre nosso
nascimento, ninguém pode dizer por quem nós devemos nos apaixonar, ou por quem
podemos ou não sentir atração. É simples assim, e quem não entende isso, pode
até não aceitar, mas tem o dever de respeitar os que não se adequam aos seus
patéticos padrões de normalidade.
“Com o
predomínio insensato das religiões, o amor deixou de ser um fenômeno, passou a
ser um ridículo ou uma coisa obscena” (POMPEIA, p. 62, 2012), apesar disso,
precisamos ver a poesia e a beleza de amar, é necessário destruir essa visão
retrógrada que é preciso sentir-se envergonhado por estar amando. Pois, O amor
é para ser vivido de todas as formas, e livres de julgamento.
Portanto,
entendemos que essa obra, suas personagens, seu enredo, diz muito sobre nós
mesmos e a nossa sociedade. É atemporal, porque podemos discutir problemas
contemporâneos, a utilizando, como ferramenta, além de estar para além da
moral, assim como toda verdadeira arte, pois já afirmava Raul Pompeia, “a
verdadeira arte, a arte natural, não conhece moralidade. Existe para o
indivíduo sem atender à existência de outro indivíduo. Pode ser obscena na
opinião da moralidade...” (O Ateneu, p. 64, 2012).
- Sheila Tinfel
REFERÊNCIAS:
BASTOS, Natacha. O
Ateneu. Disponível em: <http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/o-ateneu.html>.
Acessado em: 18/01/2019.
OLIVEIRA, João Gabriel S. M. Sexualidade no Brasil do Fim do Século XIX em “O Ateneu”, de Raul
Pompéa. Disponível em: <http://www.bulevoador.com.br/2013/11/sexualidade-brasil-fim-seculo-xix-em-o-ateneu-de-raul-pompea/
>. Acessado em: 18/01/2019.
POMPEIA, Raul. O
Ateneu. 5ª edição. Santa Catarina: Editora Avenida,2012.
MISKOLCI, Richard; BALIEIRO, Fernando de Figueiredo. O drama público de Raul Pompeia:
sexualidade e política no Brasil finissecular. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092011000100004&script=sci_arttext
>. Acessado em: 18/01/2019.
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