terça-feira, 9 de maio de 2017

ENSAIO: Lavoura Arcaica- Raduan Nassar




O que o silêncio nos diz?



O silêncio se expressa para além das palavras em um papel ou do som das nossas vozes, ele nos traz inúmeras possibilidades, podemos imaginar e supor muitas coisas, enquanto o silêncio por vezes de forma indireta e ao mesmo tempo gritante, tenta nos mostrar o que ainda nossos olhos não são capazes de enxergar e nossos ouvidos não conseguem ouvir, ou seja, como afirma Gilberto Mendonça Teles, em seu livro A Retórica do Silêncio “... em vez de ausência de fala, o silêncio se deixa ler como o espaço de outras ‘falas’, de outras linguagens, como a pausa na música, como a página branca ou o espaço em branco de um livro de vanguarda, como a mímica no teatro, criando tensões e expectações...” (pág.12)
E com isso, o silêncio é mais do que aparenta ser. Esconde-se e no mesmo momento se revela a quem usa sua percepção aguçada, ou a todos nós, desde que nos deixemos libertar de nossa prisão individualista, ao mundo que pertencemos.
Você já parou para pensar quantos olhares perdidos ou em quantos gestos esquecidos existe a nossa volta? E que cada um deles esconde atrás de seu escudo silencioso uma história? Talvez mais do que isso! Dentro desse mistério escuro e nebuloso existe alguém, simplesmente outro humano como você e ainda sim completamente diferente do que você é. Possivelmente não faz diferença, até que este alguém mude o rumo da sua história.
Mas e quando o silêncio de uma obra literária nos fascina de forma tão latente, que nossa mente se deixa levar por curiosidades fictícias? Eu diria que em Lavoura Arcaica de Raduan Nassar, isso ocorre praticamente em toda a história, pois ali “... o não dito parece ser mais importante que a narração dos fatos”, e então nos deixamos viajar pelo mistério do silêncio não tão silencioso assim de Lavoura Arcaica.
            Existe uma confusão de sentimentos entre André e sua irmã Ana, mas que silencia de alguma forma, trazendo o mistério, a curiosidade, quando não conseguimos identificar se esse romance entre os dois é real e carnal ou simplesmente fantasioso. E quando André confessa a seu irmão Pedro o então “pecado passional”, e mais do que isso, Nassar mistura o André Narrador e o André personagem, e também enfatiza o nome de Ana: "Era Ana, era Ana, Pedro, era Ana a minha fome" explodi de repente num momento alto, expelindo num só jato violento meu carnegão maduro e pestilento, "era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos”. (pág.58)
            E logo depois quando afirma o seguinte: “misturando no caldo deste fluxo o nome salgado da irmã, o nome pervertido de Ana, retirando da fímbria das palavras ternas o sumo do meu punhal, me exaltando de carne estremecida na volúpia urgente de uma confissão (que tremores, quantos sóis, que estertores!)” (Nassar, pág. 59). Pouco a pouco ele dá pistas de certa forma ao leitor, mostrando a sua paixão, os sentimentos que vão além do amor de irmãos.
            E em seu retorno para casa, André busca seu lugar na mesa de sua família, mas por meio do amor de Ana, o que acarretará em tragédia.
            Mas, não é somente nesse amor existente entre os dois ou não que existe o silêncio. Por exemplo, quando André tenta conversar com seu pai, ali as coisas se tornam difíceis, mas não porque Iohána não deseje ter essa conversa, pelo contrário, pois foi o próprio que pediu tal dialogo; o problema real naquela ocasião é que ele não compreendeu André, portanto há também o silêncio que se esconde por de trás das palavras, daquelas que para o outro não passam de sons, resmungos, algo incompreensível, mas simplesmente porque existem formas de linguagem diferentes, e André possuía uma maneira de falar reflexiva e ao mesmo tempo poética.
Perceba na seguinte frase “seja claro como deve ser um homem, acabe de uma vez com esta confusão!” (Nassar, pág. 89), que Iohána pede clareza para André, e assim confirma-se aqui, que essa incompreensão também é uma forma de silêncio, pois se torna em algo oculto, que precisa ser desvendado tanto quanto o silenciamento dos sons.
            E ainda quando André tenta falar com Lula, seu irmão caçula, demonstra não com palavras, mas de outra forma de se expressar que está chateado com ele, ao menos no início de tal tentativa. Observa-se isso na frase a seguir: “... Lula não só fingia o seu sono, mas queria também, através de movimentos um tanto desabusados, me deixar claro que não dormia, e que era para demonstrar seu desprezo que ele, deitado de lado contra a parede, me voltava ostensivamente as costas...”(Nassar, pág. 93 á 94). Portanto nessa outra cena do livro, se encontra mais uma vez o silêncio se expressando, para além do indizível.
            E agora para concluirmos, trarei aqui o final fatal, o silêncio unicamente verdadeiro, aquele do qual nós não conseguimos escapar, ou seja, a quietude da morte. Então, quando Iohána, descobre que Ana é apaixonada por seu irmão André, ele a mata “meu pai atingiu com um só golpe a dançarina oriental” (Nassar, pág. 102) “eu que estava certo, mais certo do que nunca, de que era para mim, e só para mim, que ela dançava” (Nassar, pág.101) e em seguida em seu devaneio mental como um sopro do vento sua vida também se vai. Nassar em seu livro não descreve como Iohána morre, mas deixa claro o fato de sua morte.
            Finalmente chegamos ao silêncio soberano, àquele que não conseguimos compreender o que diz, apenas o aceitamos por não termos outra escolha, nos calamos diante dele, apenas nossos olhos húmidos expressam o nosso sentimento de impotência, quanto ao silenciar da morte.     Enfim, o silêncio misterioso de uma obra literária como Lavoura Arcaica, e o silêncio de seu ponto final, continuara ecoando em nossas mentes.
-Sheila Tinfel


Referencial Teórico:
Lavoura Arcaica-Raduan Nassar. Editora Schwarcz LTDA. Companhia das Letras. 3ª Edição. 1999
A Retórica do Silêncio - Gilberto Mendonça Teles. Editora Cultrix. 1ª Edição. 1979

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