O silêncio se expressa para além das palavras em um
papel ou do som das nossas vozes, ele nos traz inúmeras possibilidades, podemos
imaginar e supor muitas coisas, enquanto o silêncio por vezes de forma indireta
e ao mesmo tempo gritante, tenta nos mostrar o que ainda nossos olhos não são
capazes de enxergar e nossos ouvidos não conseguem ouvir, ou seja, como afirma
Gilberto Mendonça Teles, em seu livro A Retórica do Silêncio “... em vez
de ausência de fala, o silêncio se deixa ler como o espaço de outras ‘falas’,
de outras linguagens, como a pausa na música, como a página branca ou o espaço
em branco de um livro de vanguarda, como a mímica no teatro, criando tensões e
expectações...” (pág.12)
E com isso, o silêncio é mais do que aparenta ser.
Esconde-se e no mesmo momento se revela a quem usa sua percepção aguçada, ou a
todos nós, desde que nos deixemos libertar de nossa prisão individualista, ao
mundo que pertencemos.
Você já parou para pensar quantos olhares perdidos ou
em quantos gestos esquecidos existe a nossa volta? E que cada um deles esconde
atrás de seu escudo silencioso uma história? Talvez mais do que isso! Dentro
desse mistério escuro e nebuloso existe alguém, simplesmente outro humano como
você e ainda sim completamente diferente do que você é. Possivelmente não faz
diferença, até que este alguém mude o rumo da sua história.
Mas e quando o silêncio de uma obra literária nos
fascina de forma tão latente, que nossa mente se deixa levar por curiosidades
fictícias? Eu diria que em Lavoura Arcaica de Raduan Nassar, isso ocorre
praticamente em toda a história, pois ali “... o não dito
parece ser mais importante que a narração dos fatos”, e
então nos deixamos viajar pelo mistério do silêncio não tão silencioso assim de
Lavoura Arcaica.
Existe
uma confusão de sentimentos entre André e sua irmã Ana, mas que silencia de
alguma forma, trazendo o mistério, a curiosidade, quando não conseguimos
identificar se esse romance entre os dois é real e carnal ou simplesmente
fantasioso. E quando André confessa a seu irmão Pedro o então “pecado
passional”, e mais do que isso, Nassar mistura o André Narrador e o André
personagem, e também enfatiza o nome de Ana: "Era Ana, era
Ana, Pedro, era Ana a minha fome" explodi de repente num momento alto,
expelindo num só jato violento meu carnegão maduro e pestilento, "era Ana
a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina,
meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos”. (pág.58)
E
logo depois quando afirma o seguinte: “misturando no
caldo deste fluxo o nome salgado da irmã, o nome pervertido de Ana, retirando
da fímbria das palavras ternas o sumo do meu punhal, me exaltando de carne
estremecida na volúpia urgente de uma confissão (que tremores, quantos sóis,
que estertores!)” (Nassar, pág. 59).
Pouco a pouco ele dá pistas de certa forma ao leitor, mostrando a sua paixão,
os sentimentos que vão além do amor de irmãos.
E em
seu retorno para casa, André busca seu lugar na mesa de sua família, mas por
meio do amor de Ana, o que acarretará em tragédia.
Mas,
não é somente nesse amor existente entre os dois ou não que existe o silêncio.
Por exemplo, quando André tenta conversar com seu pai, ali as coisas se tornam
difíceis, mas não porque Iohána não deseje ter essa conversa, pelo contrário,
pois foi o próprio que pediu tal dialogo; o problema real naquela ocasião é que
ele não compreendeu André, portanto há também o silêncio que se esconde por de
trás das palavras, daquelas que para o outro não passam de sons, resmungos,
algo incompreensível, mas simplesmente porque existem formas de linguagem
diferentes, e André possuía uma maneira de falar reflexiva e ao mesmo tempo
poética.
Perceba na seguinte frase “seja claro como deve ser um homem, acabe de uma vez com esta confusão!” (Nassar, pág. 89), que Iohána pede clareza para
André, e assim confirma-se aqui, que essa incompreensão também é uma forma de
silêncio, pois se torna em algo oculto, que precisa ser desvendado tanto quanto
o silenciamento dos sons.
E
ainda quando André tenta falar com Lula, seu irmão caçula, demonstra não com
palavras, mas de outra forma de se expressar que está chateado com ele, ao
menos no início de tal tentativa. Observa-se isso na frase a seguir: “... Lula não
só fingia o seu sono, mas queria também, através de movimentos um tanto
desabusados, me deixar claro que não dormia, e que era para demonstrar seu
desprezo que ele, deitado de lado contra a parede, me voltava ostensivamente as
costas...”(Nassar, pág. 93 á 94).
Portanto nessa outra cena do livro, se encontra mais uma vez o silêncio se
expressando, para além do indizível.
E agora para concluirmos, trarei aqui o final fatal, o
silêncio unicamente verdadeiro, aquele do qual nós não conseguimos escapar, ou
seja, a quietude da morte. Então, quando Iohána, descobre que Ana é apaixonada
por seu irmão André, ele a mata “meu pai atingiu com um só golpe a
dançarina oriental” (Nassar, pág.
102) “eu que estava certo, mais certo do que nunca, de que era para mim, e só
para mim, que ela dançava”
(Nassar, pág.101) e em seguida em seu devaneio mental como um sopro do vento
sua vida também se vai. Nassar em seu livro não descreve como Iohána morre, mas
deixa claro o fato de sua morte.
Finalmente
chegamos ao silêncio soberano, àquele que não conseguimos compreender o que
diz, apenas o aceitamos por não termos outra escolha, nos calamos diante dele,
apenas nossos olhos húmidos expressam o nosso sentimento de impotência, quanto
ao silenciar da morte. Enfim, o silêncio
misterioso de uma obra literária como Lavoura Arcaica, e o silêncio de seu
ponto final, continuara ecoando em nossas mentes.
-Sheila Tinfel
-Sheila Tinfel
Referencial Teórico:
Lavoura
Arcaica-Raduan Nassar. Editora Schwarcz LTDA. Companhia das Letras. 3ª Edição.
1999
A Retórica do
Silêncio - Gilberto Mendonça Teles. Editora Cultrix. 1ª Edição. 1979
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