Eu estou velha, e muito cansada. Acabo esquecendo das
coisas, na maioria das vezes, mas as lembranças que tenho de você, ainda vivem
em mim, e meu coração sangra toda vez que lembro...
Você tinha olhos encantadores. Hipnotizantes na verdade. O
seu sorriso iluminava o meu dia, e antes a vida parecia mais suportável, por
tê-la ao meu lado, mesmo que fosse apenas para observá-la de longe, ou
conversar sem poder lhe tocar. Ah, querida... tantas vezes me imaginei lhe
abraçando, acariciando seus longos cabelos castanhos e beijando os seus lábios
macios, sentindo seu perfume de perto, sem nenhum receio, sem culpa, sem medo. Apenas
você e eu, deitadas na cama, vendo pela janela a noite chegar, e apresentar
toda a majestade luminosa das estrelas e da Lua. Mas, como sempre, não passaram
de sonhos.
Esse amor é minha maldição e a imbecilidade animalesca de
quem deveria lhe amar matou você, e assassinou uma parte de mim junto.
Eu ainda lembro do gosto do seu beijo, do primeiro e único
beijo... Você estava tão sorridente, tão serena, e segurei uma de suas mãos,
enquanto olhava nos seus olhos castanhos vívidos, senti sua respiração tão próxima
do meu rosto, e então toquei sua face com minha mão, deslizei meus dedos por
seus lábios, e você aproximou sua boca da minha, mas permaneceu inerte, até eu lhe
beijar, e sentir você. Sensação inebriante, uma mistura de paz e desejo. Porém
seu pai puxou seu braço e eu a perdi para sempre. Lágrimas escorriam pelo seu
rosto, e sei quanta dor os seus olhos expressavam, e sei também quanto
desespero havia em seus gritos. Tentei fazê-lo parar, eu tentei. Implorei. Ele
não me ouvia, continuava lhe batendo. Não consegui soltá-la dos braços dele. E
quando você caiu no chão, eu corri para perto, tentei tirá-la dali, mas seu pai
bateu com o porta-retratos, na minha cabeça e me chutou. Então... era tarde demais,
ele lhe puxou pelo braço mais uma vez, e a jogou contra a parede. Sua cabeça
sangrava e meu coração se partia em inúmeros pedaços.
Depois daquilo, ele foi preso. Mas você se foi, para
sempre. Éramos jovens sonhadoras, idealistas. Hoje, eu vejo o mundo de outra
maneira e é bem mais cruel e a vida mais amarga. Ainda guardo a foto de nós duas,
naquele nosso último verão, juntas, que estava no porta-retratos, quebrado,
caído no chão do seu quarto.
Tanto tempo se passou e a dor continua intensa. A saudade e
a culpa me consomem, a solidão me afoga em um vazio angustiante. Ainda lhe amo,
e continuo escrevendo essas cartas para você. Nunca serão lidas, no entanto é o
mais próximo que consigo chegar de superar a falta que você me faz.
-Sheila Tinfel
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