Parece-me que sigo um ciclo
vicioso, um padrão de atrair-me por pessoas de índole e caráter duvidoso. São
sempre pessoas que encontram meu ponto fraco, tentam manipular-me de maneira
impiedosa.
No começo
elas são gentis, amáveis, mas depois tiram a máscara e desfazem a farsa aos
poucos, porém, é sempre no momento em que já estou envolvida demais. Relevo
muitas coisas, quando amo, tolero absurdos por muito tempo, até eu conseguir me
desprender das teias venenosas na qual sou envolvida.
Tive um
namorado que usava meus sentimentos contra mim, me acusava de traição, quando
na verdade era ele que traia, e chegou até a abusar de mim. Imagine, caro
leitor, o que é ser desmontada e não conseguir mais encaixar as peças, porque
agora todas estão quebradas. Foi assim que me senti. Quase perdi-me para
sempre, mas felizmente sobrevivi, apesar de ainda sofrer com os traumas.
Depois de
um bom tempo encontrei um rapaz, apenas alguns anos mais velho do que eu, e ele
era tímido, doce e meigo, era alto, de olhos castanhos claros de tom amarelado,
cabelos cacheados, e que compartilhava comigo o gosto pela literatura e parecia
ter ideias progressistas, portanto imaginei que havia encontrado a pessoa certa
para dividir comigo todas as alegrias e tristezas que a vida viesse a me
proporcionar.
No
entanto, depois de aproximadamente um ano de namoro o comportamento dele
começou a mudar pouco a pouco. Era
estúpido comigo várias vezes, depois pedia desculpas, mas continuava tendo a
mesma atitude grotesca, em seguida começou a machucar meu cachorro e dizer que
“gostava do grito que ele dava, era engraçado”, e claro sempre repreendi ele
por isso, na hora concordava, prometia que não faria mais, porém continuava
fazendo a mesma coisa. E então surgiu uma nova mania, a de apertar meu pescoço
em momentos aleatórios, de conversas normais, e mais uma vez o repreendi e ele
se desculpava, jurava que pararia, entretanto isso era mentira, pois fazia o
contrário do que dizia e ainda ria de mim e das minhas reclamações. Teve um momento
que precisei ser mais enfática e então pareceu fazer efeito, ele parou, mas
obviamente não seria tão simples assim, não é mesmo? Pois, bem, ele começou a
acariciar meu pescoço e apertar minha nuca e depois como se voltasse a si pedia
“desculpa”, “desculpa”, e eu aceitava, pensava “já é um avanço, ele está
tentando parar”. Além dessas coisas, ele olhava fixamente para meu pescoço, em
silêncio, também apertava meus ombros e braços até eu sentir dor e depois
dizia: “nem doeu”.
Havia
momentos em que ele tinha surtos de raiva e batia nas coisas. E teve um
episódio, em que eu sonhei que ele acabou matando várias pessoas, o chão estava
repleto de sangue das vítimas e todas elas deitadas no chão. Contei para ele e
ele perguntou se eu tinha visto como estava o olhar dele na hora e se tinha
certeza de que ele era o psicopata. Então, caro leitor, achei a primeira
pergunta um tanto curiosa, mas não levei a sério, apenas lhe contei que não vi,
e sobre a segunda, achei estranho, mas compreensível, embora eu não tivesse
comentado nada sobre psicopata, pensei apenas em um assassino comum. E teve um
dia que ele falou que conseguia se adequar a qualquer ambiente social, pois
tinha a habilidade de se comportar como as outras pessoas esperavam. Ah, e teve
as vezes que ele olhava para o nada em silêncio, dava risada sem motivo algum,
e quando eu o questionava ele não contava do que estava rindo. E tinha momento
em que ele falava “você pode conviver com um psicopata e nem perceber, não é?”
Todos
esses acontecimentos eram indícios de que ele não era quem dizia ser. Embora de
certa maneira, ele tenha chegado a admitir que era sádico, ainda escondia sua
verdadeira face.
Na cidade
onde moro, há muitos casos de feminicídio, por isso o assassinato de mulheres
era infelizmente bastante comum. A questão é que começou a ter vários casos de
mulheres assassinadas por estrangulamento e tinha um certo padrão, eram sempre
jovens de 16 a 25 anos de idade, que pareciam frágeis, emocionalmente
instáveis, com problemas psicológicos, morenas, de cabelos longos.
Cheguei a
comentar com ele sobre esses casos e ele não demonstrava nada. O que não é
nenhuma surpresa, já que ele muitas vezes parece insensível.
Mas,
então, em uma tarde de novembro eu fui até a casa dele, para passarmos o
feriado juntos e como sempre ele me deixava sozinha em algum cômodo e ficava
andando pela casa, enquanto olhava para o celular. Para acabar com o tédio eu
comecei a observar os livros dele, e foi quando encontrei em sua estante, atrás
de um amontoado de revistas de esportes havia alguns diários. Eu achei que eram
apenas caderno com anotações irrelevantes, por isso abri, porém quando comecei
a ler percebi que se tratava de relatos minuciosos de torturas e assassinatos
de mulheres. No início imaginei que ele estava querendo escrever algum texto
literário, no entanto percebi que aquelas anotações se referiam aos casos de
homicídio da minha cidade, que comentei anteriormente.
Naquele
momento, ignorei a razão e pensei “talvez ele esteja anotando sobre esses casos
e acrescentando algumas informações para criar contos ou romances”, mesmo
sabendo que ele não tinha aptidão para tal profissão, pelo menos, nunca
mencionou para mim que gostava de criar histórias.
Os dias
passavam e os casos continuavam a aumentar, e esses homicídios começaram a
ganhar espaço na mídia do estado, mas a polícia não conseguia encontrar o
culpado por atos tão cruéis.
Em uma
reportagem de um jornal local, havia o relato de uma vítima que sobreviveu ao
ataque do serial killer que estava assombrando a cidade. Ela contou, que era um
homem alto, magro, de cabelos pretos, cacheados e curtos, mas que não pode ver
seu rosto, porque ele estava usando uma máscara de tigre. A jovem, também
relatou que ela estava andando em uma rua longe do centro da cidade, em direção
a sua casa, às sete da noite, quando foi surpreendida pelo criminoso que a
seguia. Ele segurou em seu braço e encostando uma faca em sua cintura, disse
para ela o acompanhar até o carro dele e quando entraram, o homem dirigiu até
uma estrada de chão, onde não tinha casas ou indústrias por perto, apenas
árvores e vegetações rasteiras. Depois de parar o carro, ele ordenou que ela
tirasse a roupa, mordeu seu pescoço, a arranhou, apertou seu braço direito até
ela implorar para parar, e então com a mão direita pressionou a faca sobre sua
barriga, mas não a ponto de cortá-la e com a mão esquerda acariciou seu
pescoço, olhando vidrado, e em seguida o apertou com força, tanto que ela
começou a ter dificuldades para respirar. Foi nesse momento que ele sem querer
afrouxou a mão que estava segurando a faca e a moça no completo desespero, sem
pensar tirou a faca dele e quando ele tentou recuperá-la ela o cortou na mão e
na sequência, aproveitando que ele se esquivou, acertou mais uma facada na sua
barriga, abriu a porta do carro, saiu correndo, derrubou a faca na estrada e
não parou até encontrar uma rodovia, que para sua sorte, naquele momento estava
passando um carro, e a motorista a viu e parou, a recolheu para dentro. Então a
jovem Lúcia contou o horror que havia passado, e a mulher a levou para uma
delegacia, mas antes deu um cobertor para ela se cobrir.
Quando li
essa reportagem, acabei ficando angustiada. Pobres jovens que sofriam nas mãos
desse homem sem humanidade. Enquanto refletia sobre isso, recebi uma mensagem
do meu namorado, explicando que não poderia vir há minha casa no fim de semana,
porque estava muito atarefado, então fiquei irritada, reclamei “você sempre
chega tarde aqui e ainda dessa vez nem vai vir?”, depois disso ele tentou se desculpar,
mas acabou vindo.
Quando ele
chegou vi que estava andando um tanto encolhido, mas ele disse que era porque
tinha comido algo que o fez mal e agora estava com dor, lhe ofereci remédio,
porém não quis, então fomos nos deitar, percebi que não tirou a camiseta como
sempre fazia para dormir, mas não dei muita atenção a isso, no entanto quando
fui abraça-lo e acaricia-lo percebi que havia um relevo na sua barriga, perto
da cintura e que quando toquei ele estremeceu. Perguntei se havia se machucado
e ele respondeu que tentaram roubar seu celular e acabou reagindo, por isso o
ladrão o esfaqueou, mas que para sorte dele a polícia estava passando e
conseguiu ajuda.
Estranhei
por ele não ter mencionado isso para mim antes e comecei a imaginar que talvez,
mas só talvez, ele fosse o serial killer de Livênia. Fiquei atormentada, me
senti culpada por pensar algo tão horrível assim, porém a verdade veio à tona.
Os policiais encontraram o DNA dele na pele da vítima que sobreviveu, porque
quando ela fugiu, antes de conseguir havia o esfaqueado, lembra? E quando saiu
correndo com a faca, acabou encostando a lâmina no casaco. Eles tinham no banco
de dados o DNA dele, porque para minha surpresa, ele já havia sido preso antes
por ter se envolvido em uma briga num bar com um homem, entraram em luta
corporal. Quando soube disso contei a polícia sobre o diário e eles o usaram
como prova também.
Depois que
ele foi preso fui visitá-lo uma única vez, por uma necessidade estranha de
constatar que aquele absurdo todo era real, e quando nos encontramos, ele
olhava em meus olhos enquanto dizia que tudo aquilo não passava de um trágico
engano, chorava tanto. Falava que me amava, pedia para que eu acreditasse nele,
que não o deixasse. Se eu tivesse deixado meu coração tomar as rédeas da
situação, teria me deixado levar, no fundo eu queria acreditar que ele era
inocente, que era o rapaz carinhoso, tímido e inofensivo que conheci há tanto
tempo atrás, porém permiti que a razão me conduzisse e fui embora e não voltei
nunca mais.
Depois, em
seu julgamento ele foi considerado culpado por tentativa de homicídio e por
assédio, pegou 25 anos de prisão, mas nunca foi condenado pelos seus
assassinatos, porque ele nunca confessou e os corpos das vítimas não foram
encontrados. No fim ele tinha razão ... “ás vezes convivemos com psicopatas e
sociopatas e nem percebemos”.
- Sheila Tinfel
12/11/2021
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